NEPOTISMO: entenda os tipos e como a legislação brasileira trata a questão

O Nepotismo (do latim nepos, sobrinho, neto, ou descendente), é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes (ou amigos próximos) em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos de parentes em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o 3º grau.

O nepotismo não é um mal contemporâneo, tanto é assim que, na Idade Média, nepotismo servia para denominar a autoridade que os sobrinhos ou netos do papa desempenhavam na administração eclesiástica. No serviço público, passou a ser sinônimo de favorecimento sistemático à família.

A Controladoria-Geral da União (CGU), afirma que o nepotismo ocorre quando um agente público usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer um ou mais parentes. O nepotismo é vedado, primeiramente, pela própria Constituição Federal, pois contraria os princípios da impessoalidade, moralidade e igualdade. Algumas legislações, de forma esparsa, como a Lei nº 8.112, de 1990 também tratam do assunto, assim como a Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal. No âmbito do Poder Executivo Federal, o assunto foi regulamentado pelo Decreto nº 7.203, de junho de 2010.

Na prática, o nepotismo acontece quando as relações de parentesco são fator determinante para a nomeação de alguém para cargo ou função pública em comissão, de livre nomeação, em detrimento da capacidade técnica do contratado.

A recente declaração do presidente Bolsonaro sobre a possibilidade de designação do filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, ao posto de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, reacendeu a discussão sobre os limites da regra antinepotismo. Desde que foi instituída, a súmula vem, no mais das vezes com sucesso, barrando tentativas de nepotismo Brasil afora. Ao longo da última década, porém, casos específicos vêm modelando a interpretação da regra. O ministro do STF Marco Aurélio Mello, no entanto, afirmou que a eventual indicação é um “péssimo exemplo” e que pode ser enquadrado como nepotismo.

TIPOS DE NEPOTISMO

Quando um agente público nomeia diretamente um familiar seu, até o terceiro grau de parentesco, configura-se o nepotismo direto. Há também o chamado nepotismo cruzado ou recíproco, que é uma espécie de troca de favores entre agentes públicos: um nomeia familiar de outro e vice e versa.

A primeira significativa exceção se consolidou em julgamentos de casos de nomeação de cônjuges ou filhos para a função de secretário em administrações municipais ou estaduais. O Supremo tem “excepcionado a regra sumulada e garantido a permanência de parentes de autoridades públicas em cargos políticos, sob o fundamento de que tal prática não configura nepotismo”.

NEPOTISMO NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA

O principal dispositivo jurídico que regulamenta a prática no País no âmbito do Poder Executivo Federal é um decreto presidencial de 2010 (decreto nº 7203), emitido pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que veda o nepotismo nos órgãos e entidades da administração pública federal direta ou indireta. 

O decreto prevê as situações em que o nepotismo é presumido e as quais precisam de uma investigação específica. A contratação de familiares para cargos em comissão e função de segurança, a contratação de pessoa jurídica de familiar por agente público responsável por licitação e a nomeação de familiares para vagas de atendimento a necessidade temporária de “excepcional dinheiro público” são consideradas situações de nepotismo presumido.

Por outro lado, algumas situações não são tão claras e precisam de investigação específica, como o nepotismo cruzado, a contratação de familiares para prestação de serviços terceirizados e contratações não previstas expressamente no decreto, com indício de influência.

A súmula vinculante nº 13 do STF que trata de nepotismo

Outro documento jurídico importante em relação ao nepotismo e que tem baseado a maior parte das decisões sobre o assunto é a súmula vinculante nº 13, de 2008, do STF, que proíbe o nepotismo nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios, independentemente de lei, uma vez que a prática fere diretamente a Constituição.

A súmula estabelece que a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, viola a Constituição. “Inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas”, diz o documento do STF.

A súmula vinculante é um verbete editado pelo próprio STF, apoiado em diversas decisões sobre a mesma matéria, que tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública. 

É com base nessa súmula que a jurisprudência adotada pelo Supremo tem determinado que não se enquadra como nepotismo a nomeação de parentes para cargos eminentemente políticos, apenas para cargos administrativos ou em comissão. 

“É assim que se tem interpretado”, afirma a advogada e mestre em direito público e administrativo pela Fundação Getúlio Vargas Vera Chemim. “No entanto, de acordo com a Constituição, com a lei de improbidade administrativa e com o próprio decreto de 2010, há o conceito amplo de agente público, que engloba cargos administrativos e políticos e, portanto, acredito que o nepotismo deve englobar também cargo político”, diz a especialista, que lembra que há um recurso parado no STF que pede a revisão dessa exceção.

O recurso extraordinário, apresentado em 2018, já teve repercussão geral reconhecida, por unanimidade, em votação pelo plenário virtual da Corte. Resta agora o plenário votar o mérito do recurso e definir se a proibição do nepotismo pela súmula vinculante nº 13 alcança a nomeação para cargos políticos. 

O recurso foi apresentado em razão de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) para questionar uma lei municipal, do município de Tupã (SP), que passou a desconsiderar nepotismo a nomeação de parentes dos nomeantes para o cargo de agente político de secretário municipal. 

À época, o ministro Luiz Fux, relator do recurso, afirmou que o debate se resumia a saber se a nomeação de familiares para cargos políticos deve ser considerada inconstitucional ou não.

“A discussão orbita em torno do enquadramento dos agentes políticos como ocupantes de cargos públicos, em especial cargo em comissão ou de confiança, mas, ao não diferenciar cargos políticos de cargos estritamente administrativos, a literalidade da súmula vinculante sugere que resta proibido o nepotismo em todas as situações”, observou Fux.

SAIBA MAIS

Além destes dispositivos legais que tratam diretamente do nepotismo Vera Chemim chama a atenção também para a Lei de Improbidade Administrativa que, assim como a Constituição, determina que agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a observar os princípios de legalidade, impessoalidade e moralidade no desempenho de suas funções. 

“O nepotismo pode ser enquadrado como um ato de improbidade administrativa por configurar falta de decoro. Por se tratar de uma matéria administrativa e não penal, seria prevista apenas sanção administrativa, que pode variar desde uma simples anulação da nomeação até um processo de perda dos direitos políticos e de função pública, a depender das circunstância e da autoridade envolvida”, afirma a especialista. 

Em relação à pessoa contratada, se configurado o nepotismo, ela deve ser exonerada ou ter o ato normativo que determinou sua contratação cancelado.

Para Ricardo da Costa Oliveira, professor de sociologia política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a estrutura político-eleitoral do Brasil é permissiva a esse tipo de situação. “O Brasil é uma república do nepotismo, entendendo o nepotismo como uma relação entre parentesco e poder político”.

Ainda segundo Oliveira, é preciso entender a influência das famílias políticas e sua lógica de riqueza e poder para compreender a história da política brasileira. “Isso aumentou exatamente devido ao controle que estas famílias políticas possuem sobre todas as instituições políticas no Brasil e até ajuda a explicar o golpe de 2016, que foi um golpe destas famílias políticas, dessas oligarquias familiares. E elas controlam de maneira substantiva, e muito mais depois do golpe, o Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, tribunais de contas, a grande mídia, que é toda dominada por interesses familiares, e grande parte do empresariado brasileiro também é formado por estas mesmas famílias”.

De acordo com o relatório da Transparência Brasil, as regiões com maior quantidade de representantes com herança política na Câmara dos Deputados são o Nordeste e o Norte, com 63% e 52%, respectivamente. Já no Senado, Sul, Sudeste e Centro-oeste lideram com 67% de políticos herdeiro em cada região. O que demonstra que se trata de um fenômeno nacional.

De acordo com o levantamento, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB, ex-PMDB) é o partido com a maior quantidade de deputados e senadores eleitos com parentes na política. O Partido dos Trabalhadores (PT) é a legenda com o percentual mais baixo de herdeiros políticos, com 27%.

Um caso emblemático das dinastias parlamentares vigentes até os dias de hoje é o deputado federal por Minas Gerais, Bonifácio de Andrada (PSDB). No seu décimo mandato legislativo, ele garante a permanência da família há cerca de dois séculos. Ele é descendente direto de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), membro de uma tradicional família da aristocracia portuguesa e importante figura política do período colonial, tendo exercido papel decisivo no processo de independência do Brasil.

Um aspecto que chama a atenção é o caráter conservador dos políticos herdeiros. Andrada, por exemplo, foi favorável ao golpe de estado, votando a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Mais tarde, votou pela rejeição das duas denúncias apresentadas pelo Ministério Público contra o presidente Michel Temer. E também se posicionou favorável ao projeto de redução da maioridade penal e à emenda constitucional 95, que congelou os investimentos públicos pelos próximos 20 anos.

Raimundo Nonato Pereira,

Bacharel em Direito, Especialista em Docência do Ensino Superior, Pós Graduado em Sistema Prisional, Medida Socioeducativa e Direitos Humanos, Account Executive na WIKI TELECOM, Diretor Geral do PORTAL ICURURUPU  e Editor Chefe da Coluna Direitos Difusos e Coletivos do PORTAL ICURURUPU.