Editorial: O atraso de salários do funcionalismo público viola a lei e a Constituição

Com a grave crise financeira pela qual o país tem passado, milhares de funcionários públicos, ativos e aposentados, vêm sofrendo com o atraso e parcelamento do pagamento dos salários. E quem arca com as consequências não há dúvida que são os funcionários públicos, que acabam por não pagar as contas no dia certo e acumulam juros e até mesmo dívidas. Para se manter é preciso cortar gastos e pedir ajuda a familiares e amigos quando possível.

Diante dessa situação calamitosa, não há dúvida que a alternativa é recorrer ao Poder Judiciário e podem optar por fazê-lo através das respectivas entidades sindicais e associações que os representam, que vêm se mobilizando para apresentar ações com o objetivo de assegurar o recebimento do salário mensal integral. Todos os servidores, seja ele efetivo, comissionado, contratados, em fim, todos têm o direito a receber o salário mensal na data de pagamento determinada pela legislação do ente a que está vinculado.

O provimento judicial pode até mesmo impor multa diária em caso de descumprimento da decisão e, eventualmente, entender cabível – conforme peculiaridades do caso concreto – a indenização por danos morais. Também é possível a discussão no plano coletivo por meio de uma ação civil pública, dentre outros instrumentos. 

Em sua obra “Eichmann em Jerusalém”, Hannah Arendt propõe que, em resultado da massificação da sociedade, se criou uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais, motivo pelo qual todos aceitam injustiças e cumprem ordens sem questionar.

Como sabemos o Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, nesse contexto formou-se uma nação com maioria conservadora e reacionária. Outrora dominada por períodos ditatoriais em que direitos fundamentais da pessoa humana eram suprimidos e adversários do regime eram torturados e mortos, hoje vive uma frágil e recente democracia. Aqui, o conceito proposto pela filósofa alemã se tornou primitivo e aleatório. Por aqui, o mal se espalha independente de ideologia, como uma praga corriqueira.

Outro dado importante que o gestor não pode esquecer é que o salário além de ser uma garantia social e o servidor ter todo um sistema de proteção constitucional – artigos 39 ao 41 da Constituição Federal –, é considerado crédito de natureza alimentícia. Por isso, seu pagamento deve ser diferenciado em relação a outras despesas públicas.

Marx afirmou que “o trabalhador tem mais necessidade de respeito que pão”. A frase é atualizadíssima, contudo, o trabalhador também precisa de pão para a própria sobrevivência e de sua família. 

Ao alienar a sua força de trabalho, seja física ou intelectual, o trabalhador deve receber uma contrapartida, o que denominamos de salário ou remuneração, elemento essencial dessa espécie de ajuste, seja qual for a forma de contratação: prestação de serviços eventual, vínculo de emprego, contrato temporário, vínculo estatutário, etc, não importando a modalidade de contração e / ou de prestação de serviço, o fato imperativo é que o servidor tem o direito de receber pelo serviço prestado, do contrário, sua situação se assemelha à escravidão, formalmente não mais existente no Brasil. 

A inteligência da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), afirma de forma irrenunciável que o pagamento do salário deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido, diz o §1º do art. 459 da CLT. 

Os argumentos para o atraso e parcelamento de salários não se justificam. Atribuir a condição de penúria do Estado, Município e / ou União ao governo anterior é uma falácia, infelizmente tem sido uma prática recorrente, dotadamente nos municípios, que sempre jogam a culpa dos eventuais atrasos às gestões anteriores, em muitos caso nem mesmo apresentam qualquer prova dessas alegações.

Não há nenhuma dúvida que pagar os salários em dia é dever elementar de qualquer administrador público. Quaisquer dos motivos alegados pelo ente público não se mostram razoáveis e sua atitude demonstra indiferença e desprezo pelos milhares de funcionários públicos e aposentados, professores, policiais civis e militares, bombeiros, profissionais da saúde, técnicos e servidores em geral que dedicam boa parte de sua vida no atendimento à população, especialmente nas cidades pequenas, onde a economia giram em torno do funcionalismo público, uma vez não recebendo seus salários se tornam uma massa de insolventes gerando graves problemas para a economia dos municípios. 

No maranhão essa situação tem sido quase que um ritual, ano pós anos a situação se repete nos mais diversos municípios, e a justificativa de sempre é a mesma, ou seja, crise econômica, crise essa que não atinge o bem está dos gestores e de seus apadrinhados, ao contrários, para este a verba é sempre farta e em grande escala. O que demonstra sem sobra de dúvida o desprezo e a inobservância dos preceitos legais e a certeza da impunidade. 

Que em 2019 os gestores possam planejar melhor seus orçamentos, não gastar além do que pode, e principalmente, que possam cumprir com as garantias constitucionais dos servidores. Que não contrate quem não pode pagar, e uma vez contratando que seja dentro da necessidade da gestão, e não sua pessoal. Nesse sentido é importante que a justiça esteja atenta e que possa coibir qualquer ação do ente público que vise prejudicar os salários dos servidores.

Se o administrador não efetuar o pagamento regular da remuneração dos servidores, sem apresentação de anormalidades imprevisíveis, devem os prejudicados procurar o Ministério Público de sua cidade e solicitar o ajuizamento de uma Ação Civil Pública exigindo que a Prefeitura, Estado ou União cumpra com sua obrigação constitucional. Diante do caso concreto o MP deverá instaurar procedimento para apuração de prática de crime de improbidade administrativa.

Se necessário for, deve ainda o servidor procurar o Sindicato da categoria ou advogado especialista para mover a ação coletiva a fim de pressionar a Prefeitura, Estado ou União a arcar com seus valores e cumprir suas obrigações. Por último, em caso de não ter êxito nas medidas judiciais podem recorrer a eventual greve, respeitando os requisitos mínimos de funcionamento do serviço público para não prejudicar a população. Vale lembrar que a greve será julgada posteriormente pela Justiça para análise da legalidade da paralisação.